Jornal do Tocantins, 17/02/2008
por Dídimo Heleno Póvoa Aires
é advogado, membro das Academias Palmense e Tocantinense Maçônica de Letras
A Igreja Católica, como se sabe, é contra o aborto, contra pesquisas feitas com células-tronco, contra o sexo antes do casamento e contra o uso de camisinha nas relações sexuais. Ela também já foi contra a afirmação de que a Terra não era o centro do Universo, a favor da venda de indulgências e de transformar as pessoas em churrasco por conta de suas idéias consideradas hereges (Inquisição). É contra o casamento de padres e, pasmem, acredita que os camelos passarão por um buraco de agulha, mas os ricos não entrarão no Reino dos Céus. Sobre isso, muitos dizem que a Bíblia não deve ser interpretada literalmente, mas de forma alegórica e metafórica.
E o que dizer do velho Ló (Gênesis, 19, 7-8) que entregou suas duas filhas virgens para serem estupradas por vários homens? E quanto ao levita que esquartejou sua concubina em doze partes (Juízes, 19, 29), após ter sido esta estuprada durante uma noite inteira, com o seu consentimento? E quanto a Abraão, que decidiu matar seu filho Isaac a pedido de Deus apenas para provar sua fé e só não concretizou o ato porque esse mesmo Deus lhe disse que tudo não passava de brincadeirinha? E quanto ao povo comandado por Josué (Josué, 6, 21), que destruiu tudo pelo fio da espada, desde o homem até a mulher, desde o menino até o velho, e até o boi e o gado miúdo e o jumento, tudo isso por ordem de Deus? Todas essas passagens do Antigo Testamento também devem ser interpretadas alegoricamente? É preciso tanta crueldade para dizer que o mal existe?
Embora tudo isso pareça absurdo - e é - é preciso admitir e respeitar os que queiram se submeter a uma religião qualquer. O que não se pode permitir é que a Igreja imponha os seus conceitos arcaicos para toda a sociedade. As religiões, como sempre, querem ditar normas para a vida das pessoas, interferindo no seu modo de pensar e, até, comandar o seu costume sexual. Sexo é algo muito pessoal, até porque as pessoas utilizam o próprio corpo para praticá-lo. Quem quiser que decida o que fazer com o seu, desde que respeite a vontade do outro e não faça mal a ninguém.
Mas a Igreja, na cidade do Recife-PE, ingressou com ação na Justiça para impedir que a Prefeitura distribuísse a pílula do dia seguinte durante o carnaval. Essa é uma questão de saúde pública, como disse mais uma vez o ministro José Gomes Temporão. O sujeito faz sexo sem camisinha, obedecendo aos ditames da Igreja, correndo o risco de adquirir Aids ou uma doença venérea qualquer e a mulher não tem o direito de impedir uma gravidez indesejada, simplesmente porque uma religião decidiu, e não ela. Uma religião, aliás, que impede o padre de ter filhos ou sequer casar. Acho que desse assunto ela não entende.
É verdade que os criacionistas não admitem as idéias dos evolucionistas e vice-versa. Mas será que aquele Deus do Antigo Testamento também não evoluiu? Será que os homens de hoje não podem ter uma idéia melhor de Deus? E os ensinamentos que foram transmitidos por Jesus Cristo, que no dizer de Jack Milles é o próprio Deus arrependido? Será que Deus é contra o uso da camisinha, mesmo existindo Aids? O problema é que alguns fundamentalistas dizem que foi o próprio Deus quem inventou essa doença, para punir os "fornicadores". Desse jeito fica difícil argumentar com esses fanáticos da fé. Eles se esquecem que em Deuteronômio, o quinto livro da Bíblia, o Deus ali descrito até dita normas de higiene e proíbe o seu povo de comer carne de porco, para que evite contrair doenças. A camisinha, como a não ingestão de carne de porco naquela época, de igual forma evita enfermidades incuráveis. Acredito que Deus aprovaria o seu uso. Se Ele fosse contra o sexo não nos teria dotado de tesão. Se como quer a Igreja, o ato sexual fosse praticado apenas com fins reprodutivos, deveria ser algo insosso e não gostoso como é. Uma pergunta: não seria mais fácil para o Deus das religiões, sendo o Todo-Poderoso, acabar com as doenças e o pecado? Assim, não precisaríamos de camisinha e a prática do sexo seria admitida pela Igreja antes, durante e depois do casamento.
Como a religião não evolui, ela interpreta a Bíblia literalmente quando é de seu interesse e alegoricamente, quando lhe é conveniente. Como disse o físico Steven Weinberg, "... com ou sem ela [a religião], teríamos gente boa fazendo coisas boas e gente ruim fazendo coisas ruins. Mas, para que gente boa faça coisas ruins, é preciso a religião". Um exemplo disso se dá quando uma boa mulher deixa de tomar a pílula do dia seguinte por conta da religião e mantém uma gravidez indesejada. Outro, quando duas pessoas boas fazem sexo e não usam camisinha porque sua Igreja proíbe e, por conta disso, adquirem Aids e morrem na flor da idade. Se, como ensinou Charles Darwin, as espécies evoluem, é de se concluir que o pensamento também. Sendo assim, a idéia de Deus deve evoluir. Em pleno século XXI, não podemos deixar que aquele Senhor retrógrado, ciumento, cruel e misógino do Antigo Testamento continue comandando as nossas vidas. A idéia que devemos ter do Deus de hoje é outra. É preciso trazê-lo para a era da informática.
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