domingo, 20 de abril de 2008

FestcineAmazonia - A estranha magia do cinema

Por Ismael Machado / Diário do Pará

Arturo Gonzalez tem 51 anos e é um “campesino”, comose chamam na Bolívia os homens que vivem do que aterra produz. As mãos são calejadas e as roupashumildes, assim como o olhar, que raramente ‘mira’ ointerlocutor. Pois as mãos calejadas e o olhar humildesofreram transformações na última terça-feira, quandoGonzalez pôde assistir pela primeira vez uma tela decinema. O olhar ficou atento, as mãos contorceram-senervosas e encantadas.Foi no pequeno município de Cachuela de Esperanza, acidade perdida da borracha, lá no interior da Bolívia.Cachuela, cuja história por si só parece saída de umroteiro hollywoodiano, é uma cidade que podedesaparecer por conta da construção de umahidrelétrica binacional Brasil-Bolívia. Construída apartir de uma idéia visionária capitalista de NicolasSuarez, a cidade hoje vive de lembranças e da coletade castanha.E tem crianças, muitas crianças. Grande parte delas,como Gonzalez, nunca havia visto cinema. Nem televisãohá na comunidade. Divertiram-se com as animações,prestaram atenção aos documentários e correram de umlado a outro no velho teatro, imponente outrora edecadente atualmente.A magia proporcionada pelas duas horas de exibiçãodos filmes remonta a algo semelhante à Macondo, em 100Anos de Solidão, o épico romance de Gabriel GarciaMarquez. E foi proporcionada por uma equipe que saiude Porto Velho para realizar a itinerância do FestCine Amazônia, um festival voltado ao meio ambiente,que completa cinco anos em 2008.Estou tendo o privilégio de acompanhar parte dessaaventura amazônica em seu sentido mais amplo.
Comunidades ribeirinhas de Rondônia foram agraciadascom o festival e o evento se tornou uma festa paraesses moradores. Estudantes de pequenas cidadesbolivianas também receberam o festival.As diferenças culturais, que a princípio parecemquase intransponíveis, se tornam menores a cadaconversa entabulada, a cada encontro feito e a cadaexpectativa contemplada. Quilômetros são vencidos combom humor e muito trabalho. As cheias dos rios àsvezes fazem com que a caravana se atole em rios, masnada é empecilho.
Nas pequenas comunidades a montagem do equipamentovira curiosidade para as crianças. Em algumas delas,ao longo do rio Madeira, não havia energia elétricanem água potável. Fico imaginando se daqui a anos issonão será lembrado e contado como o dia em quedesconhecidos trouxeram o cinema para a comunidade.Chegaram ruidosos e partiram como chegaram. Mas nesseintervalo de tempo, deixaram plantadas as sementes deum sonho diferente. O de contar histórias em umaimensa tela branca.O Fest Cine Amazônia chega a Belém no próximo dia 29.
Depois parte para outras paragens nortistas esul-americanas. O resultado dessas andanças vai sertransformado em um documentário. Quem sabe, ArturoGonzalez não se veja futuramente na tela, comoprotagonista de uma história que está sendo contadaagora. “Ahorita” mesmo.

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