Por Ismael Machado / Diário do Pará
Arturo Gonzalez tem 51 anos e é um “campesino”, comose chamam na Bolívia os homens que vivem do que aterra produz. As mãos são calejadas e as roupashumildes, assim como o olhar, que raramente ‘mira’ ointerlocutor. Pois as mãos calejadas e o olhar humildesofreram transformações na última terça-feira, quandoGonzalez pôde assistir pela primeira vez uma tela decinema. O olhar ficou atento, as mãos contorceram-senervosas e encantadas.Foi no pequeno município de Cachuela de Esperanza, acidade perdida da borracha, lá no interior da Bolívia.Cachuela, cuja história por si só parece saída de umroteiro hollywoodiano, é uma cidade que podedesaparecer por conta da construção de umahidrelétrica binacional Brasil-Bolívia. Construída apartir de uma idéia visionária capitalista de NicolasSuarez, a cidade hoje vive de lembranças e da coletade castanha.E tem crianças, muitas crianças. Grande parte delas,como Gonzalez, nunca havia visto cinema. Nem televisãohá na comunidade. Divertiram-se com as animações,prestaram atenção aos documentários e correram de umlado a outro no velho teatro, imponente outrora edecadente atualmente.A magia proporcionada pelas duas horas de exibiçãodos filmes remonta a algo semelhante à Macondo, em 100Anos de Solidão, o épico romance de Gabriel GarciaMarquez. E foi proporcionada por uma equipe que saiude Porto Velho para realizar a itinerância do FestCine Amazônia, um festival voltado ao meio ambiente,que completa cinco anos em 2008.Estou tendo o privilégio de acompanhar parte dessaaventura amazônica em seu sentido mais amplo.
Comunidades ribeirinhas de Rondônia foram agraciadascom o festival e o evento se tornou uma festa paraesses moradores. Estudantes de pequenas cidadesbolivianas também receberam o festival.As diferenças culturais, que a princípio parecemquase intransponíveis, se tornam menores a cadaconversa entabulada, a cada encontro feito e a cadaexpectativa contemplada. Quilômetros são vencidos combom humor e muito trabalho. As cheias dos rios àsvezes fazem com que a caravana se atole em rios, masnada é empecilho.
Nas pequenas comunidades a montagem do equipamentovira curiosidade para as crianças. Em algumas delas,ao longo do rio Madeira, não havia energia elétricanem água potável. Fico imaginando se daqui a anos issonão será lembrado e contado como o dia em quedesconhecidos trouxeram o cinema para a comunidade.Chegaram ruidosos e partiram como chegaram. Mas nesseintervalo de tempo, deixaram plantadas as sementes deum sonho diferente. O de contar histórias em umaimensa tela branca.O Fest Cine Amazônia chega a Belém no próximo dia 29.
Depois parte para outras paragens nortistas esul-americanas. O resultado dessas andanças vai sertransformado em um documentário. Quem sabe, ArturoGonzalez não se veja futuramente na tela, comoprotagonista de uma história que está sendo contadaagora. “Ahorita” mesmo.
domingo, 20 de abril de 2008
FestcineAmazonia - A estranha magia do cinema
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